terça-feira, 25 de abril de 2017

Parte 2 dos trechos da Carta a Theo - Vicente Van Gogh

LONDRES
(
JULHO DE 1873 – MAIO DE 1875)
Londres, 20 de julho de 1873
A arte inglesa não me atraía muito no começo, é pre- ciso acostumar-se a ela. Contudo, existem aqui pintores hábeis, entre outros Millais, que fez o Huguenote, Ofélia, etc., e que você certamente deve conhecer por gravuras, é muito bonito. E Boughton, de quem você conhece os Puri- tanos Indo à Igreja da nossa galeria fotográfica. Vi coisas muito bonitas dele. Além disto, entre os velhos pintores, Constable, um paisagista que morreu há uns trinta anos atrás, é esplêndido, com alguma coisa de Diaz, de Daubigny; e Rey- nolds, e Gainsborough, que pintaram sobretudo retratos de mulheres, e ainda Turner, de quem você deve ter visto algu- mas gravuras.
Existem aqui alguns bons pintores franceses, entre outros Tissot... Otto Weber e Heilbuth. Este último está fa- zendo atualmente belas pinturas no gênero precioso de Van Linder. Quando puder, escreva-me se existem aí fotografias de Wauters, exceto Hugo van der Goes e Marie de Bour- gogne, e se você conhece também fotografias dos quadros de Lagey e de Braeckeleer.
Não é do velho Braeckeleer que estou falando, mas de um filho dele, acho, que tinha na última exposição de Bruxelas três quadros esplêndidos, intitulados Antuérpia, A Escola e O Atlas.
Caso você veja também alguma coisa de Lagey, de Braeckeleer, Wauters, Maris, Tissot, George Saal, Jundt, Ziem, Mauve, escreva-me sem falta, são pintores de quem eu gosto muito (10).*
* Os números ao final de cada carta indicam a cronologia da correspon- dência completa. (N. do E.)
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Londres, janeiro de 1874
Estou vendo que você se interessa pela arte e isto é uma boa coisa, velho. Fico contente que você goste de Millet, Jacque, Schreyer, Lambinet, Frans Hals, etc., pois, como diz Mauve, “é alguma coisa”.
Sim, o quadro de Millet, Angelus du Soir, “é alguma coisa”, é magnífico, é pura poesia. Como eu gostaria de falar sobre arte contigo... só nos resta nos escrevermos bastante; ache belo tudo o que puder, a maioria das pessoas não acha belo o suficiente.
Escrevo abaixo alguns nomes de pintores de quem eu gosto particularmente:
Scheffer, Delaroche, Hébert, Hamon, Leys, Tissot, Lagey, Boughton, Millais, Thijs Maris, De Groux, de Braeckeleer, jr., Millet, Jules Breton, Feyen-Perrin, Eugène Feyen, Brion, Jundt, George Saal, Israels, Anker, Knaus, Vautier, Jourdan, Compte-Calix, Rochussen, Meissonier, Madrazzo, Ziem, Boudin, Gérôme, Fromentin, Decamp, Bonington, Diaz, Th. Rousseau, Troyon, Dupré, Corot, Paul Huet, Jacque, Otto Weber, Daubigny, Bernier, Émile Breton, Chenu, César de Cock, Mlle. Colart, Bodmer, Koekkoek, Schelhour, Weissenbruch e last not least Maris e Mauve. Mas eu continuaria a lista não sei por quanto tempo mais, e há ainda os velhos, e estou certo de ainda ter omitido alguns dentre os melhores (13).
Londres, 6 de abril de 1875
A respeito do Meerestille de Heine, que eu tinha co- piado no teu caderno, não é? Há algum tempo atrás eu vi um quadro de Thijs Maris que me fez pensar nele.
Uma velha cidade de Holanda, com fileiras de casas num castanho avermelhado com oitões em escadinha e pata- mares nas portas, telhados cinzas, e portas brancas ou ama- relas, vãos e cornijas; canais com barcos e uma grande ponte levadiça branca sob a qual se encontra uma chata com um
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homem ao leme, a casinha do guarda da ponte que se vê pela janela sentado em sua pequena escrivaninha.
Um pouco mais longe no canal, uma ponte de pedra sobre a qual passam pessoas e uma charrete com cavalos brancos.
E movimento por toda parte; um homem com um car- rinho de mão, um outro apoiado ao parapeito, olhando para a água, mulheres de preto com toucas brancas.
No primeiro plano, um cais com lajotas e um parapei- to preto.
Ao longe, uma torre se ergue sobre as casas. Acima disso tudo, o céu, num branco cinza. É um pequeno quadro, vertical (24).
PARIS
(
MAIO DE 1875 – MARÇO DE 1876)
Paris, 31 de março de 1875
Ontem eu vi a exposição Corot. Havia em especial um quadro, o Jardim das Oliveiras, fico contente que ele o tenha pintado.
À direita, um grupo de oliveiras perde-se no azul do céu ao crepúsculo; em segundo plano, colinas com arbustos e duas grandes árvores. No alto, a estrela da tarde.
No Salão, há três Corot muito bonitos; o mais belo, pintado pouco antes de sua morte, Os Lenhadores, sem dúvida será publicado na Illustration ou no Monde Illustré.
Como você pode imaginar, também fui ao Louvre e ao Luxemburgo.
Os Ruysdael do Louvre são magníficos; especialmen- te O Bosque, A Paliçada e O Raio de Sol.
Espero que um dia você veja os pequenos Rembrandt, Os Peregrinos de Emaús e dos pendants, Os Filósofos (27).
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Paris, 6 de julho de 1875
Aluguei um pequeno quarto em Montmartre que te agradaria. É pequeno, mas dá para um jardinzinho forrado deheraedevinhas.Voulhecontarasgravurasquependurei na parede: Ruysdael: O Bosque e Lavadouros; Rembrandt: A Leitura da Bíblia (um grande quarto estilo velha-Ho- landa) – à noite – uma vela sobre a mesa onde a jovem mulher sentada perto do berço de sua criança lê a Bíblia; uma velha mulher sentada escuta, é algo que faz pensar: “Em verdade eu vos digo, em todo lugar onde duas ou três pessoas se reunirem em meu nome, eu estarei entre elas”; é uma antiga gravura em cobre, tão grande quanto O Bosque, esplêndida; Philippe de Champaigne: Retrato de Uma Se- nhora; Corot: A Tarde; Corot: idem; de Bodmer: Fontai- nebleau; Bonington: Uma Estrada; Troyon: A Manhã; Jules Dupré: A Tarde (a caminhada); Maris: Lavadeira; o mesmo: Um Batismo; Millet: As Horas do Dia (Gravuras em madeira 4 lâminas); v. d. Maaten: Enterro no Trigal; Daubigny: A Aurora (galo cantando); Charlet: A Hospitali- dade (granja cercada de pinheiros no inverno sob a neve; um camponês e um soldado frente à porta); Ed. Frère: Cos- tureiras; o mesmo: O Tanoeiro (30).
Paris, 13 de agosto de 1875
Na lista dos que eu pendurei no meu quarto, esqueci: N. Maes: A Natividade.
Hamon : Se Eu Fosse o Inverno Sombrio. Français: Últimos Belos Dias.
Ruyperez: A Imitação de Jesus Cristo.
Bosboom: Cantabimus et Psallemus.
Estou fazendo todo o possível para encontrar para
você uma gravura de Rembrandt: Leitura da Bíblia (33).
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Paris, 25 de setembro de 1875
Vou me separar de todos os meus livros de Michelet, etc., etc. Faça o mesmo.
Paris, 11 de outubro de 1875
Você seguiu meu conselho, separou-se dos livros de Michelet, Renan, etc.? Acho que isto o deixará mais tran- qüilo. A página de Michelet sobre o Retrato de Senhora, de Philippe de Champaigne, no entanto, é preciso não esquecê-la, e não se esqueça também de Renan. Contudo, afaste-o... Você conhece Erckmann-Chatrian: O Recruta, Waterloo e sobretudo O Amigo Fritz e também A Senhora Teresa? Leia-os se puder. Mudar de alimento estimula o apetite (39).
AMSTERDAM
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DE MAIO DE 1877 – JULHO DE 1878)
Amsterdam, 27 de julho de 1877
Mendès me deu boas esperanças de que ao fim de três meses estaremos tão adiantados quanto ele se propunha caso tudo corresse bem. O que não impede que estas aulas de grego no coração de Amsterdam, em pleno bairro judeu, numa tarde muito quente e opressiva, tendo na cabeça a ameaça de muitos exames difíceis a passar frente a profes- sores ardilosos e muito doutos, te deixem mais indisposto que os campos de trigo do Brabante, que devem estar inten- samente belos num dia como este (103).
Amsterdam, 18 de agosto de 1877
Acordei cedo e vi os operários chegarem ao canteiro de obras, sob um sol magnífico. Você teria gostado de ver o aspecto peculiar deste rio de personagens negros, grandes
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e pequenos, primeiro na rua estreita onde ainda havia muito pouco sol, e a seguir no canteiro. Depois disto me alimen- tei de um pedaço de pão seco e um copo de cerveja; é uma maneira, recomendada por Dickens àqueles que estão a ponto de se suicidar, como sendo particularmente indicada para desviá-los ainda durante algum tempo deste projeto. E mesmo que não se esteja totalmente com esta disposição de espírito, é bom fazê-lo de vez em quando, pensando no quadro de Rembrandt, Os Peregrinos de Emaús (106).
Amsterdam, 9 de janeiro de 1878
C. M.* perguntou-me hoje se eu não achava bela a Phryné de Gérôme. Eu lhe disse que me dava infinitamente mais prazer olhar uma mulher feia de Israels ou de Millet ou uma velha mulher de Ed. Frère, pois afinal o que signifi- ca um belo corpo como o desta Phryné? Isto os animais também têm, talvez até mais do que os homens, mas uma alma como a que existe nos homens pintados por Israels, Millet ou Frère, isto os animais não têm, e a vida não nos teria sido dada para enriquecer nossos corações, mesmo quando o corpo sofre?
Quanto a mim, sinto muito pouca simpatia por esta imagem de Gérôme, pois não vejo nela o mínimo sinal re- velador de inteligência. Mãos que carregam as marcas do trabalho são mais belas que mãos como as desta imagem.
Maior ainda é a diferença entre tal moça e um homem como Parker ou Tomás de Kempis, ou como os que pintava Meissonnier; da mesma maneira que não se pode servir dois mestres ao mesmo tempo, não se pode gostar de coi- sas tão diferentes e sentir por elas a mesma simpatia.
C. M. me pergunta então se uma mulher ou uma moça que fossem belas não me agradariam, mas eu lhe disse que me sentiria melhor e combinaria mais com uma que fosse
* Abreviação do nome de um tio de Vincent, Cornelius-Marinus, chamado às vezes também de tio Cor. (N. do E.)
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feia, velha ou pobre, ou infeliz, por qualquer razão, mas que tivesse alcançado a inteligência e uma alma pela experiência de vida e pelas provações ou desgostos (117).
Amsterdam, 3 de abril de 1878
Voltei a refletir sobre a nossa conversa, e involuntaria- mente meditei nas palavras: “Somos hoje o que éramos on- tem”. Isto não significa que se deva marcar passo, e não tentar desenvolver-se, ao contrário, há uma razão imperiosa para fazê-lo e para buscá-lo.
Mas para permanecermos fiéis a estas palavras, não podemos recuar, e quando começamos a considerar as coi- sas com um olhar livre e confiante, não podemos voltar atrás e nem hesitar.
Os que diziam “nós somos hoje o que éramos ontem” eram “homens honrados”, o que se depreende claramente da constituição que redigiram, que subsistirá por todos os tempos, e da qual se disse que tinha sido escrita “sob as e- manações do céu” e “com uma mão de fogo”. É bom ser um “homem honrado” e procurar sê-lo cada vez mais, e fazemos bem em acreditar que para isto é preciso ser “homem introspectivo e espiritual”.
Se tivéssemos a convicção de pertencer a esta catego- ria, seguiríamos nosso caminho com calma e confiança, sem duvidar do bom resultado final. Havia um homem que certo dia entrou numa igreja e perguntou: “Será possível que o meu zelo tenha me enganado, que eu tenha tomado o mau caminho e que continue errado? Ah! Se eu me livrasse dessa incerteza e se pudesse ter a firme convicção de que acabaria por vencer e alcançar êxito”. E uma voz então lhe respondeu: “E se tivesses essa certeza, que farias então? Faças portanto como se a tivesses, e não serás perturbado”. O homem então continuou seu caminho, não mais incrédulo mas crente, e voltou à obra, sem duvidar nem hesitar mais. No que se refere a ser “homem introspectivo e espiritual”,
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