sexta-feira, 31 de março de 2017
Entre temas possíveis
1- pensador andando pela cidade. o conflito com a cidade. A oposição entre ele e a cidade. O Flâneur.
2- quando é sonho, quando está acordado. A vida, um pesadelo?
3- a hipersensibilidade a sons, a misofonia. a busca por um lugar sem pessoas e sem sons.
4- os jogos, o silêncio dos jogos, e ser jogado no jogo.
5- as crianças e seu outro mundo.
6- os vários mundos dentros dos vários mundos.
7- os padrões, a beleza dos padrões. perceber padrÕes.
8- descobrir que a maioria das pessoas não se concentra nas coisas em volta, como tudo acontece e estar só.
9- a justiça. ver que os problemas são grandes, complexos e as soluções mesquisas.
1- Entender que a ordem social é frágil, e que as pessoas não resolvem problemas.
11- O fogo, a vida, o mistério.
2- quando é sonho, quando está acordado. A vida, um pesadelo?
3- a hipersensibilidade a sons, a misofonia. a busca por um lugar sem pessoas e sem sons.
4- os jogos, o silêncio dos jogos, e ser jogado no jogo.
5- as crianças e seu outro mundo.
6- os vários mundos dentros dos vários mundos.
7- os padrões, a beleza dos padrões. perceber padrÕes.
8- descobrir que a maioria das pessoas não se concentra nas coisas em volta, como tudo acontece e estar só.
9- a justiça. ver que os problemas são grandes, complexos e as soluções mesquisas.
1- Entender que a ordem social é frágil, e que as pessoas não resolvem problemas.
11- O fogo, a vida, o mistério.
para pequisas em teatro, revistas internacionais
8- Theatre International Research http://journals.cambridge.org/action/displayJournal?jid=TRI.
9- Contemporary Theatre Review. http://www.contemporarytheatrereview.org/
10- Lista de revistas acadêmicas em teatro: https://muse.jhu.edu/browse/film_theater_and_performing_arts/theater_and_performance_studies#limit_content_type=journal
Metodologia e processo criativo
ALgumas ideias em metodologia de processo criativo foram elaboradas a partir de pequisas em aproximar produção artística e produção acadêmica a partir das seguintes obras:
BARRET, E. & BOLT, B. Practice as Research. Approaches to Creative Arts Enquiry. Londres e Nova York: I.B. Tauris, 2010.
KERSHAW, B. & NICHOLSON, H.(Eds.) Research Methods in Theatre and Performance. Edinburgh University Press, 2011.
NELSON, R. Practice as Research in the Arts: Principles, Protocols, Pedagogies, Resistances. London: Palgrave Macmillan, 2013.
SMITH, H & DEAN,R. Practice-led Research, Research-led Practice in the Creative Arts. Edinburgh University Press, 2009.
Outras obras que podem ser usadas são:
BAUER,M. W. & GASKELL, G. Pesquisas qualitativa com texto, som e imagem. Petrópolis: Vozes, 2011.
BEAUD, S. & WEBER, F. Guia para a pesquisa de campo. Petrópolis: Vozes, 2007.
GADAMER, H.G. Verdade e Método. Petrópolis: Vozes, 1997.
VVAA Metodologias de Pesquisa em Artes Cênicas. Rio de Janeiro: Abrace/7Letras, 2006.
composição
Pesquisadores e compositores da UFBa têm produzido uma material bem consistente.
Há uma série de livros
1- Teoria e prática do compor I: diálogos de invenção e ensino
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/16804
2- Teoria e prática do compor II: diálogos de invenção e ensino
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/20715
3-
4- Teoria e prática do compor IV: horizontes metodológicos
http://www.edufba.ufba.br/2016/12/teoria-e-pratica-do-compor-iv-horizontes-metodologicos/
TOdos são bem revelantes. mas o último, o n. 4, apresenta processos de composição que nos interessam, especialmente na discussão de ideias de ciclo e movimento e metáfofas de movimento em música.
Mais especificamente, temos a tese de Bertissolo, Guilherme
Composição e capoeira: dinâmicas de compor entre música e movimento
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/12586
Outros materias da escola da bahia:
1- de Lima, Paulo Costa. Ernst Widmer e o Ensino de Composição Musical na Bahia
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/18644
2- Bertissolo, Guilherme
Po(i)ética em movimento: a análise Laban de movimento como propulsora de realidades composicionais
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/5600
3- Pedro FIlho.
COMPOR NO MUNDO: UM MODELO DE COMPOR MÚSICA SOBRE BASES FENOMENOLÓGICAS
https://www.academia.edu/26041903/COMPOR_NO_MUNDO_UM_MODELO_DE_COMPOR_M%C3%9ASICA_SOBRE_BASES_FENOMENOL%C3%93GICAS
Há uma série de livros
1- Teoria e prática do compor I: diálogos de invenção e ensino
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/16804
2- Teoria e prática do compor II: diálogos de invenção e ensino
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/20715
3-
Teoria e prática do compor III: lugar de fala e memória
http://www.edufba.ufba.br/2016/12/teoria-e-pratica-do-compor-iii-lugar-de-fala-e-memoria/4- Teoria e prática do compor IV: horizontes metodológicos
http://www.edufba.ufba.br/2016/12/teoria-e-pratica-do-compor-iv-horizontes-metodologicos/
TOdos são bem revelantes. mas o último, o n. 4, apresenta processos de composição que nos interessam, especialmente na discussão de ideias de ciclo e movimento e metáfofas de movimento em música.
Mais especificamente, temos a tese de Bertissolo, Guilherme
Composição e capoeira: dinâmicas de compor entre música e movimento
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/12586
Outros materias da escola da bahia:
1- de Lima, Paulo Costa. Ernst Widmer e o Ensino de Composição Musical na Bahia
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/18644
2- Bertissolo, Guilherme
Po(i)ética em movimento: a análise Laban de movimento como propulsora de realidades composicionais
https://repositorio.ufba.br/ri/handle/ri/5600
3- Pedro FIlho.
COMPOR NO MUNDO: UM MODELO DE COMPOR MÚSICA SOBRE BASES FENOMENOLÓGICAS
https://www.academia.edu/26041903/COMPOR_NO_MUNDO_UM_MODELO_DE_COMPOR_M%C3%9ASICA_SOBRE_BASES_FENOMENOL%C3%93GICAS
quinta-feira, 30 de março de 2017
The Primal Scream / O grito primal
Desenvolvida pelo psicólogo Arthur Janov, foi muito usada como terapia entre 1960 e 1970.
ALém disso, diversos artistas se valeram de suas ideias como Yoko Ono.
O seu primeiro livro é de 1970 The Primal Scream.
https://www.scribd.com/doc/239194217/Arthur-Janov-o-Grito-Primal
ALém disso, diversos artistas se valeram de suas ideias como Yoko Ono.
O seu primeiro livro é de 1970 The Primal Scream.
https://www.scribd.com/doc/239194217/Arthur-Janov-o-Grito-Primal
Estudos do som/sound studies
Há muitos modos de conhecer esse intercampo.
Um deles é pelo cinema.
Aqui um artigo nacional que comenta essa história
https://www.academia.edu/2243298/SOUND_STUDIES_NO_CINEMA_panorama_da_produ%C3%A7%C3%A3o_bibliogr%C3%A1fica_at%C3%A9_a_d%C3%A9cada_de_1960
Um deles é pelo cinema.
Aqui um artigo nacional que comenta essa história
https://www.academia.edu/2243298/SOUND_STUDIES_NO_CINEMA_panorama_da_produ%C3%A7%C3%A3o_bibliogr%C3%A1fica_at%C3%A9_a_d%C3%A9cada_de_1960
Da música ao som...
Para os que quiserem compreender um pouco dessa amplo movimento dentro da música e depois para a cultura, v. o texto "Da música ao som, a emergência do som na música dos séculos XX e XXI – uma pequena introdução " De Makis Solomos
https://periodicos.ufrn.br/artresearchjournal/article/view/7046/5508
https://periodicos.ufrn.br/artresearchjournal/article/view/7046/5508
campo expandido em artes /campo ampliado
O tema tem sido discutido a partir do ensaio de Rosalind Krauss
https://monoskop.org/images/b/bc/Krauss_Rosalind_1979_2008_A_escultura_no_campo_ampliado.pdf
Recentemente, a revista Art Research Journal (não se enganem: o nome inglês, mas a revista é brasileira. ) produziu um número dedidado ao tema em teatro. triste..
https://periodicos.ufrn.br/artresearchjournal/issue/view/450/showToc
https://www.ufrgs.br/arteversa/?p=240
https://monoskop.org/images/b/bc/Krauss_Rosalind_1979_2008_A_escultura_no_campo_ampliado.pdf
Recentemente, a revista Art Research Journal (não se enganem: o nome inglês, mas a revista é brasileira. ) produziu um número dedidado ao tema em teatro. triste..
https://periodicos.ufrn.br/artresearchjournal/issue/view/450/showToc
https://www.ufrgs.br/arteversa/?p=240
Edições de Heráclito
1- Como falamos em sala de aula, as edições modernas dos fragmentos tomam como ponto de partida o trabalho da dupla Hermman Diels(1848-1922) e Walther Kranz(1884-1860) na clássica reunião dos fragmentos dos filósofos pré-socráticos Die Fragmente der Vorsokratiker. A obra, lançada em 1903 e revista várias vezes. A última edição foi a de 1952.
Cada filósofo era apresentado com três entradas básicas, marcadas por letras:
A- informações de outros autores sobre a vida e obra de cada filósofo;
B- As citações textuais atribuídas a cada filósofo;
C- As imitações, ou seja, textos baseados do estilo e ideias de cada filósofo.
Foi a edição Diels-Kranz que propôs o sistema de citação dos fragmentos mais utilizado.
A edição de 1903 está disponível em https://archive.org/details/diefragmenteder00krangoog .
http://www.wilbourhall.org/pdfs/Die_Fragmente_Der_Vorsokratiker.pdf
2- Uma revolução aconteceu com a edição de M. Marcovich: No lugar do texto dos fragmentos em uma ordem aleatória( ordem alfabética dos autores que citaram Heráclito), temos um agrupamento por temas, e a proposta de uma nova numeração e forma de citar os fragmentos. Os fragmentos são apresentados e comentados.
É a Editio Maior dos fragmentos, lançada em 1967.
Link: https://www.scribd.com/document/145799162/Heraclitus-Marcovich
3- Outro grande esforço de edição e de comentário é o de G.Kirk que apresenta texto e comentário dos fragmentos que ele seleciona quanto a tema cosmologia ou ciência natural.
Heraclitus. The Cosmic Fragments (1954)
https://www.scribd.com/document/131701866/Heraclit-Kirk-G-S-heraclitus-the-Cosmic-Fragments-1954-Corr-1962
https://www.academia.edu/11884326/Geoffrey_Stephen_Kirk_Heraclitus_The_Cosmic_Fragments_1954
A vantagem das obra de Marcovich e a de Kirk é apresentar comentários textuais bem detalhados.
4- Uma edição recente dos fragmentos é a de Daniel Graham.
The texts of Early Greek Philosophy. Volume I. Cambridge University Press, 2010. Entre as páginas 135 e 201 os fragmentos são traduzidos e reunidos em temas. Os comentários são breves.
Link:
http://libgen.me/view.php?id=1168392
Cada filósofo era apresentado com três entradas básicas, marcadas por letras:
A- informações de outros autores sobre a vida e obra de cada filósofo;
B- As citações textuais atribuídas a cada filósofo;
C- As imitações, ou seja, textos baseados do estilo e ideias de cada filósofo.
Foi a edição Diels-Kranz que propôs o sistema de citação dos fragmentos mais utilizado.
A edição de 1903 está disponível em https://archive.org/details/diefragmenteder00krangoog .
http://www.wilbourhall.org/pdfs/Die_Fragmente_Der_Vorsokratiker.pdf
2- Uma revolução aconteceu com a edição de M. Marcovich: No lugar do texto dos fragmentos em uma ordem aleatória( ordem alfabética dos autores que citaram Heráclito), temos um agrupamento por temas, e a proposta de uma nova numeração e forma de citar os fragmentos. Os fragmentos são apresentados e comentados.
É a Editio Maior dos fragmentos, lançada em 1967.
Link: https://www.scribd.com/document/145799162/Heraclitus-Marcovich
3- Outro grande esforço de edição e de comentário é o de G.Kirk que apresenta texto e comentário dos fragmentos que ele seleciona quanto a tema cosmologia ou ciência natural.
Heraclitus. The Cosmic Fragments (1954)
https://www.scribd.com/document/131701866/Heraclit-Kirk-G-S-heraclitus-the-Cosmic-Fragments-1954-Corr-1962
https://www.academia.edu/11884326/Geoffrey_Stephen_Kirk_Heraclitus_The_Cosmic_Fragments_1954
A vantagem das obra de Marcovich e a de Kirk é apresentar comentários textuais bem detalhados.
4- Uma edição recente dos fragmentos é a de Daniel Graham.
The texts of Early Greek Philosophy. Volume I. Cambridge University Press, 2010. Entre as páginas 135 e 201 os fragmentos são traduzidos e reunidos em temas. Os comentários são breves.
Link:
http://libgen.me/view.php?id=1168392
mouraviev
Como falei, uma das lendas dos estudos heraclíteos
é o controverso Serge Mouraviev. Ele dedicou e dedica toda sua vida a Heráclito
Eis o link para seus textos que comentam aspectos da poética de Heráclito:
https://independent.academia.edu/SergeMouraviev
Aqui o link para sua lendária edição em dez volumes dos fragmentos e análises dos fragmentos de heráclito:
http://www.academia-verlag.de/titel/66112.htm
Disponível para download apenas um livro dos dez:
https://www.scribd.com/document/43697054/HERACLITEA
é o controverso Serge Mouraviev. Ele dedicou e dedica toda sua vida a Heráclito
Eis o link para seus textos que comentam aspectos da poética de Heráclito:
https://independent.academia.edu/SergeMouraviev
Aqui o link para sua lendária edição em dez volumes dos fragmentos e análises dos fragmentos de heráclito:
http://www.academia-verlag.de/titel/66112.htm
Disponível para download apenas um livro dos dez:
https://www.scribd.com/document/43697054/HERACLITEA
quarta-feira, 29 de março de 2017
Outro Novo Livro de Heráclito
CHega às livrarias agora em maio
Heraklit im Kontext (Studia Praesocratica) (German Edition) (German) 1st Edition
by Charlotte Schubert (Author, Editor), Ulrike Muss (Author, Editor), Kurt Sier (Author, Editor)
Heraklit im Kontext (Studia Praesocratica) (German Edition) (German) 1st Edition
by Charlotte Schubert (Author, Editor), Ulrike Muss (Author, Editor), Kurt Sier (Author, Editor)
De Guyter, 2017. 622 páginas.
Um de seus editores, Ulrike Muss, é especialista na cidade arcaica de Éfeso.
meu blog, do processo criativo
Gente, como estou no mesmo barco, iniciei um blog com materiais sobre meu processo criativo a partir dos fragmentos nos quais Heráclito faz referência 'a infância.
http://heraclitus2017.blogspot.com.br/
http://heraclitus2017.blogspot.com.br/
segunda-feira, 27 de março de 2017
TEXTO SOBRE SEMINÁRIOS CRIATIVOS
SEGUE AQUI TEXTO EM PUBLICAÇÃO NO QUAL EXPLICO O FUNCIONAMENTO SEMINÁRIOS DE PÓS-GRADUAÇÃO A PARTIR DE TEXTOS CLÁSSICOS. o texto se refere a seminários realizados até 2013. Em 2015 realizei um seminário a partir de Homero, com 23 integrantes e 23 processos criativos. Este artigo cobre os primeiros seminários.
Performance e estudos
clássicos: proposta de seminários interdisciplinares
Marcus Mota
Laboratório de Dramaturiga (LADI)
Universidade de Brasília,
Brasil
Preliminares
Montagens a partir de temas, ideias, obras e autores
relacionados à Antiguidade greco-latina tem passado por um incremento desde os
anos 90 do século passado[1]. Modos
de produção aparentemente antípodas como filologia e teatro voltam a se
aproximar, efetivando uma útil convergência entre Estudos Clássicos e Artes
Cênicas[2].
Durante o trabalho de intervenção nos materiais
clássicos tomados como ponto de partida, uma série de procedimentos se torna
necessário. Assim como em uma pré-produção, o exame e análise desses materiais
passa por protocolos pré-existentes, relacionados com as fontes para o estudo
da Antiguidade. A análise e exame desses materiais prévios é desde já etapa
integrante do processo criativo. Além da oposição entre pesquisa e expressão, o
simples fato de se buscar as melhores edições e bibliografia atualizada sobre
uma obra ou autor escolhidos já caracteriza a iniciação simultânea tanto do
processo criativo como de uma abordagem mais sistemática na familiarização com
seu objeto de estudo. Assim, ao mesmo tempo, uma obra como Agamenon, de Ésquilo, torna-se um objeto de investigação e um
material para o processo criativo.
Rotinas em torno de fontes documentais são uma práxis
fundamentada nos Estudos Clássicos, sejam essas fontes monumentos, vasos,
textos dos mais diversos gêneros, moedas, esculturas, pinturas, arquitetura,
etc[3]. Ou
seja, fontes são realidades físicas, materiais que possuem suas dimensões e sua
história de interpretação. Das fontes temos tradições interpretativas que
enfatizam determinados aspectos do objeto. A interação com as fontes projeta um
discurso a partir dessas tradições e da materialidade do objeto. Na interação
com o objeto e seus discursos, o intérprete se encontra em uma posição mais
distinguível para emitir o seus comentários, para se filiar a uma tradição
interpretativa, adotar uma perspectiva diante do objeto. Já que não se pode
separar o objeto de investigação de suas tradições interpretativas, o
intérprete de Agamenon, por exemplo,
familiariza-se tanto com o texto da obra quanto com sua recepção, com as
retomadas da obra, seja por meio de paratextos (comentários), seja por meio de
novas montagens da obra.
A diferença, no caso dos estudos teatrais, está em que
a atividade de se discutir e analisar os documentos não se limita a produzir
mais um paratexto. A meta da instrução, da familiaridade com as fontes não se
resume às fontes e suas interpretações. Há uma outra atividade, que se
assemelha à práxis em torno de fontes documentais, mas não se confina em um
produto intelectual. O processo criativo demanda referências outras que muitas
vezes não estão presentes ou alinhadas ao que o material e suas interpretações
anteriores indicam. Tudo o que antes existia é ressignificado em função de
decisões, opções durante o processo criativo (cortes, acréscimos, fusões,
desdobramentos, etc.). Em razão disso, aquilo que era o ponto de partida deixa
de existir: novos usos, novos contextos, novos objetos são efetivados[4].
Se o que interessa à atualidade do processo criativo
são as intervenções e transformações no material prévio, por que o apelo a
obras e materiais do passado? Essa tensão entre o que já se apresentou e o que
se apresenta imediatamente é ilusória. A busca por um diálogo com referências
pretéritas acaba por problematizar a segurança daquilo que chamamos presença
imediata[5].
Desconfiando da realidade do presente, ampliamos nosso raio de ação. A 'ida ao
passado' não produz uma atualidade do que já foi, e sim instala fendas na
pretensa estabilidade de uma pressuposta geometria temporal. Nossa memória de
uma presença fechada em si mesma colide com outros modos de produção de memória,
entra em contato com coisas que em um primeiro tempo não são semelhantes com as
que aparentemente achamos conhecer. A partir desse estranhamento as comparações
e ilações projetam um jogo entre aquilo que identificamos como próprio e aquilo
que imediatamente negamos como 'não nosso'. Porém, na medida em que o jogo
prossegue, irreversivelmente aquilo que não era, aquilo que pertencia a uma
outra época, aquilo que já foi irrompe com sua força, em parte pelo desejo,
pelo impulso de se conhecer o diverso, o estranho, o Outro. A convergência
entre este desejo e a reelaboração do intérprete da memória acarreta
redefinições dos limites entre temporalidades estanques. Dessa maneira,
opera-se criativamente no tempo, instaura-se uma criatividade histórica amparada
em procedimentos de intervenção mesmo em predisposições quanto à experiência
temporal[6].
Por isso denomino "performances instruídas"
aquelas realizações que advêm de uma negociação com suas fontes prévias. O
diferencial é que o tempo empregado nessa negociação ultrapassa a de uma
imediata apreensão. Dessa forma, performances instruídas podem tanto ser
produzidas por equipes interdisciplinares quanto por artistas-pesquisadores com
trânsito em diversas áreas de conhecimento[7].
Uma experiência similar está no caso de música
anterior ao Barroco performada hoje. Devido a questões de notação musical,
muita da atividade de sua execução depende de decisões do intérprete apoiadas
no estudo das obras e das tradições intepretativas. Daí a definição de 'Early
Music' de H. Haskell como sendo "any music for which a historically
appropriate style of performance must be reconstructed on basis of surviving
scores, treatises, instruments and other contemporary evidence", que
contempla parte da questão da performance instruída[8].
Experiências
Desde 2010, a partir de disciplinas ligadas ao
Programa de Pós Graduação e Arte (PPG-ARTE) e à graduação em Artes Cênicas,
ambas na Universidade de Brasília, tenho promovido Seminários de criação a
partir de temas relacionados à Antiguidade Clássica. No quadro abaixo,
exibem-se tais experiências[9]:
DISCIPLINA
|
ANO
|
TEMA/TEXTO/AUTOR
|
PARCERIA
|
PRODUTOS
|
Criação e Produção artística- Pós.
|
2010(2°)
|
As Danaides.
|
LADI
|
12 eventos, entre performances,
video-dança, palhaçaria, improviso holofractal.
|
Teoria e processos criativos- Grad.
|
2011(1°)
|
Pitágoras
|
LADI, ARCHAI (Gabriele Cornelli),
Samuel Cerkvenik
|
5 eventos, entre instalação, vídeos
e performances.
|
Criação e Produção artística- Pós.
|
2011(2°)
|
O Banquete, de Platão
|
LADI, ARCHAI (Gabriele Cornelli) e
Hugo Rodas (Angélica Beatriz e Júlia Vale)
|
9 eventos, entre performances,
videos, e telecenas.
|
Teoria e processos criativos- Grad.
|
2012(1°)
|
O Banquete, de Platão
|
LADI, ARCHAI (Gabriele Cornelli),
Samuel Cerkvenik
|
5 projetos.
|
Criação e Produção Artística. Pós.
|
2013(1°)
|
Sete contra Tebas
|
Hugo Rodas (Angélica Beatriz, Júlia
Vale)
|
Uma montagem
|
Ou seja: desde 2010, a partir do LADI (Laboratório de Dramaturgia
- UnB) e em parcerias com o ARCHAI (grupo de pesquisa em filosofia, coordenado
pelo professor Gabriele Cornelli, da Universidade de Brasília), procurou-se
elaborar uma metodologia de processos criativos a partir da provocação de se
enfrentar temas, autores e obras com referências à Antiguidade Clássica. A
provocação é um momento de se observar como reagimos ao contato com esses
materiais históricos. Mais que uma atividade de se encontrar com "modelos
estéticos" ou tentativas de reconstrução, o contato e interação com tais
materiais acarreta a (re)elaboração de estratégias de se propor, conduzir e
produzir eventos interartísticos a partir de suas várias etapas.
As disciplinas de pós e de graduação trabalham com o
marco temporal de 4 meses de atividades. Este marco temporal da disciplina
acarreta dimensões realizacionais para os projetos e processos criativos. A
partir desse marco, cada estudante de pós-graduação ou cada grupo, no caso da
disciplina de graduação, deve ser proponente de um projeto que deverá: 1-
partir da obra/texto/autor do semestre; 2- integrar outras habilidades que a do
proponente, ou seja, ser interartístico; 3- concluir na apresentação de uma
obra de no mínimo cinco minutos na mostra semestral de trabalhos Cometa Cenas e
na produção de uma monografia crítica que apresente e discuta as etapas e
decisões criativas do projeto[10].
Cada semestre é articulado, pois, em distintos
momentos relacionados às etapas de se propor e realizar um projeto artístico.
O primeiro momento, de pré-produção, é o de preparação
para as atividades posteriores. Nele são discutidas as orientações do seminário
de criação, a metodologia empregada, os casos-problema. Em seguida, há o foco
no material do semestre, no texto/autor/obra escolhido para futuras
intervenções. Este momento da metodologia é um espaço para discussão tanto
desse material quanto de sua recepção crítica, por meio de bibliografia
atualizada e fontes primárias. As análises produzidas pela condução da
disciplina não procuram parafrasear o que está registrado nos materiais
analisados, nem muito menos explicar, apresentar uma única visão de cada trecho
estudado. O momento de agora corresponde ao de esclarecimentos, ao de uma comum
iniciação ou familiarização com as fontes. Mesmo que o material já tenha sido
lido pelos integrantes da disciplina, na maioria dos casos a bibliografia
atualizada ou a recepção crítica desse material não o foi. Com isso, a
facilitação dessas leituras e contextualizações por parte da condução da
disciplina objetiva determinar a produção de uma comunidade de aprendizagem, na
qual a partir de horizontes comuns de tarefas, objetos e metas, haja uma troca
entre os diferentes projetos.
Em seguida, entramos na fase de elaboração do projeto.
Cada proponente (grupo ou individual) deverá apresentar para todos os
integrantes do seminário um pré-projeto, que discorre sobre e justifica o
material escolhido, a posição ou perspectiva de tratamento desse material, o
conceito para sua realização e definição do que será mostrado, e um roteiro
inicial. Este pré-projeto é discutido coletivamente, com todos se iniciando na
atividade de colaboração difusa, ao tentar compreender propostas alheias como
forma de entender a sua própria. O mútuo esclarecimento do debate coletivo
difunde revisões do pré-projeto. A partir desse momento, cada proponente ainda
começa a produzir um blog de seu
projeto, no qual vai postando comentários, fotos, vídeos associados ao seu
objeto de investigação. E a condução da disciplina encaminha-se para uma
consultoria criativa.
Após este momento, entramos na realização do projeto:
cada proponente com sua equipe de realização já definida apresenta um
cronograma de ensaios e revisões do roteiro. O cronograma de ensaios é
acompanhado de seu planejamento, no qual se informa o que será realizado em
cada ensaio. Assim como no uso dos blogs
se espera um uso menos informal da ferramenta, o recurso a planejamentos
procura desenvolver uma visão mais objetiva das atividades criativas. Dessa
forma a organização dos ensaios nada mais é que uma materialização e revisão
das ideias e imagens do projeto proposto. Ainda, os ensaios são filmados, e
partes deles, uma edição dos mesmos, é postada nos blogs e discutida coletivamente nos encontros semanais da
disciplina. Desta maneira, forma-se um vínculo entre os projetos, entre as
discussões e análises coletivas e as atividades conduzidas pelos proponentes.
Próximo da data do Cometa Cenas é elaborado o programa
do seminário: cada um dos projetos é apresentado com sua descrição e ficha
técnica, e discussão de questões específicas de sua montagem junto com a equipe
do Cometa Cenas. Logo em seguida, temos os ensaios gerais, com a apresentação
de todos os trabalhos dos proponentes e últimos comentários. E, enfim, as
apresentações no Cometa Cenas. Como o tempo de exibição de cada evento fica
entre 5 e 30 minutos, temos diversas apresentações de cada projeto, o que
colabora na observação das reações e remodelações do projeto a partir do
momento em que é apresentado para outras audiências que as da disciplina. Tudo
isso será material para monografia final.
Seminário 1 (2010): As
Danaides
Para verticalizar um pouco a questão, sintetizo o que
se deu no projeto-piloto dos seminários interdisciplinares.
No primeiro semestre do projeto, a escolha do mito das
Danaides proporcionou aos estudantes da Pós-graduação em Arte da UnB um amplo
espectro de possibilidades criativas e investigativas, dadas as múltiplas
implicações do material de base. Para um artistas/intérprete contemporâneo, a
justaposição entre questões de gênero, poder e raça era uma explosiva
combinação que projetava amplas participações.
O primeiro instante, como uma consultoria acadêmica,
os estudantes/artistas foram iniciados: a- na organização formal de uma
tragédia grega e nas distinções métricas básicas; b- nas fontes do mito das
Danaides, com a tradução de passagens não esquilianas, de Homero a Clemente de
Alexandria; c- na discussão de seções de As
Suplicantes de Ésquilo.
Nesse primeiro momento, a compreensão do que
convencionalmente chamamos de 'método ou modo de produção ateniense' funcionou
como uma opção frente a abordagens puramente conteudísticas do teatro antigo,
as quais privilegiam referências a temas e ideias desprovidas de seu contexto
cênico. Ora, sendo um seminário de criação e produção, com prazos e metas
definidos, este deslocamento foi providencial para fazer convergir intuições,
informações e dramaturgias. De fato, um amplo conceito de dramaturgia, que
envolve questões de composição, encenação e produção, tornou-se o foco da
disciplina. Com isso, houve melhor emprego do tempo ao se tornar claro para os
estudantes/artistas a correlação entre seus projetos e as práticas artísticas
que se podem depreender do texto de Ésquilo[11].
Dessa forma, o que se procurou demonstrar é que a
possibilidade de se transformar análise textual em dramaturgia ativa favorece
atos criativos. Em outras palavras, quando análise textual é integrada em
tarefas que a insiram em dimensões outras que a paráfrase do material verbal, quando
a leitura e interpretação dos textos identificam formas de organização do
material verbal em procedimentos não verbais, quando vemos no texto o registro
de atos performativos organizados, então é que todo o esforço interpretativo se
amplia, se desdobra em outras atividades[12].
Tal procedimento é fundamental, pois há uma
confluência entre contextos vivenciados como mentalistas e outros como
performativos: o conceito e experiência de interpretação é usado tanto em
contextos estritamente textualistas, ligados ao ato individual de ler e
compreender um texto em si mesmo, quanto em contextos performativos,
relacionados à apropriação e transformação de uma material, como se vê, por
exemplo, no caso do ato na construção de uma personagem, ou de um encenador na
proposição de um universo imaginativo. Se ao mesmo tempo se encontram tão
próximos e tão distantes atividades tão distintas e tão assemelhadas é porque
há uma tensão, um impulso que faz convergir desmesuradas contradições. E ao se
fazer este deslocamento é que essas contradições afloram e se tornam
provocativas.
Nesse sentido, no primeiro semestre do projeto, tivemos
a oportunidade de trazer, para os encontros produtos vindos da erudição
filológica em contexto artístico, o questionamento de vários dos protocolos de
interpretação que defendem arbitrariamente a adequação da produção de sentidos
em prol pressupostos homogeneizadores.
No meu caso, como facilitador deste processo, era
interessante observar que a relevância daquilo que apresentava no módulo
inicial do seminário estava diretamente relacionada a um duplo fator: o mesmo
atrativo estranhamento diante dos dados filológicos e históricos logo se
transmudava em eloquente vazio. Era preciso calibrar a dose, rever o
detalhamento na apresentação do material em função da audiência. Pois, de um
lado, por mais que o detalhe filológico ou a informação histórica possam em si
mesmos se credenciarem como relevantes, fundamentados nas fontes e apreciados
na bibliografia especializada, por outro, mesmo assim, este sólido edifício,
essa monumental utopia de substituir a tradição fragmentária e continuamente
revisitada dos clássicos por um discurso de certezas, acaba por soçobrar diante
das perguntas mais comuns ou do simples desdém.
Dessa forma, a aproximação entre estudos clássicos e
performance traz desafios e revisões de perspectivas para ambos os partícipes. Para
quem tem formação em clássicas e se propõe a colaborar em processos criativos,
fica a patente e cotidiana necessidade de se revisar, de se permitir não mais
trabalhar com fulgurações olímpicas de pressupostos de validação e correção. Aquilo
que parece constante, estabelecido, verdadeiro vai sofrer um ataque frontal. Na
verdade, o alvo do ataque é justamente quem defende isso, a própria crença que
haja uma moldura que deixe incólume os materiais do passado[13].
Tal instabilidade é fundamental para que se ouça as
demandas do processo criativo e não a tentativa de impor a este processo um
conhecimento fechado, exclusivo. A cena não é ilustração das ideias. Nisso
reside o fracasso de muitas montagens baseadas em temas e obras clássicas:
tentar transpor para o palco algo que se pressupõe indiferente, protegido aos
atos de sua efetivação[14]. Na
verdade, o que temos são justamente os atos de sua efetivação, as escolhas e
decisões do processo criativo e não as ideias e o passado tal como ele
verdadeiramente parece se apresentar nos discursos e nos textos de quem o
estuda.
Para alguém que trabalhou com as fontes originais e
com a bibliografia especializada tal situação é extremamente perigosa. Pois, em
um primeiro momento, ela aparece como um antimodelo daquilo que se pensa como
situação ideal do classicista: a clientela que consome clássicos para seus
processos criativos e os busca como material e impulso para novas obras, em um
primeiro momento parece mais "livre" em relação ao leitor que centra
sua atividades nas rotinas, protocolos e métodos da filologia.
Desse modo, o primeiro seminário, mais que a tentativa
de se transpor materiais eruditos para a cena foi o espaço de viabilização da
própria experiência de se propor desafios interpretativos em contextos
interartísticos e interdisciplinares.
Tal heterogeneidade e convergência de saberes e
motivações transparece nos produtos finais da disciplina, que contaram com as
seguintes obras[15]:
1- Danaides 2010.
10min; Performance-solo a partir das imagens sonoro-visuais inspiradas no mito
das Danaides e em mulheres contemporâneas que assassinam seus companheiros;
2- Altar pode
mais que a torre, 4 min; Projeção de vídeo-dança baseado no mito das
Danaides e texto As Suplicantes de
Ésquilo, que pesquisa a dança contemporânea como linguagem votada para câmera.
3- Uma Mulher,
7 min; Performance ritualística baseada no mito das Danaides, focando na
relação simbólica entre as bodas e a morte.
4- As danadas,
10 mim. Dois palhaços realizam uma abordagem tragicômica da temática abordada
na tragédia As Suplicantes, de Ésquilo.
5- Danaiade,
20 mim. Violência e casamento: casal performa cenas de cotidiano nas manchetes
policiais a partir de imagens de As
Suplicantes, de Ésquilo.
6- Synolo Ikétes
(Jogo Das Suplicantes) Improviso Holofractal 12, de 3 a 30 min. Perfomance
interartística (música, cena, projeção de vídeos) com estrutura em módulos, que
coloca em jogo os conflitos entre poder, gênero e sociedade.
7- Amímone,
10min. Performance-solo: Mulher em busca de água é perseguida e agredida.
Durante a luta, ela consegue matar seu agressor. Ritualisticamente ela se
entrega à dor e ao prazer envolvendo-se em sangue.
8- As retirantes,
12 min. Teatro a partir de cultura popular performando por estudantes do ensino
médio: Senhor de engenho tinha três filhos e queria que eles se casassem com as
filhas do cortador de cana, que foge para Juazeiro do Norte para pedir proteção
divina ao Padim Ciço.
9- Roda do Fogo:
Um giro da Grécia ao Coco, 10 min. Performances interartísticas com cantos,
danças e músicas que procuram evidenciar o conflito que vive Hipermnestra
durante o casamento com Linceu - matar ou não o homem que ama.
10- Invocações,
17 min. Dança, música e canções inspiradas no mito das Danaides.
11- Homens,
10 min. Trecho coreográfico a partir do universo sonoro e visual da dança do
ventre, elaborado a partir de imagens das relações de mulheres com o sangue.
12- Poros
Sensoriais, 5 min. Instalação/performance que proporciona percorrer o
caminho das Danaides de sua fuga do Egito para Argos, por meio estímulos
multisensoriais.
13- 50 pares de
olhos, 10 min. Performance-solo e vídeo. A partir de histórias de jovens
afegãs que escapam de casamento forçado.
Como se pode observar, cada
estudante/artista/pesquisador direcionou as informações da primeira parte do
seminário para projetos de criação específicos. Essa dinâmica de
reinterpretação do mito ou de sua recepção foi discutida em sala de aula e
acompanhada nos ensaios. Cada um realizava seu projeto e acompanhava os
projetos dos colegas. Formou-se então uma comunidade de aprendizagem que
partilhava as hesitações, dúvidas e questionamentos, formando um patrimônio
comum de realizações. Tanto que muitos estudantes, além de proponentes de
projeto, participaram como agentes cênicos ou assistentes dos projetos dos
colegas.
Para mim, como condutor do seminário, ficou claro que
as metamorfoses do mito em suas reperformances em novos suportes e nos tempos
atuais demonstra o irresistível apelo do mito. Ou seja, o mito não fulgura como
algo fora do tempo e do espaço de sua utilização. Pelo contrário, sua
efetividade se dá em suas transformações. Meu papel não foi o de fiscalizar a
correta aplicação do módulo inicial em suas posteriores concretizações nos
projetos individuais. Antes, da consultoria filológica para a consultoria
artística, meu papel se modificou drasticamente, mas sem perder algo que
aproxima o trabalho sobre os textos das intervenções criativas: o domínio de
uma racionalidade que se locomove nas dinâmicas intersubjetivas do saber-fazer.
Por exemplo: no primeiro módulo, foi proporcionado um
esclarecimento dos metros da tragédia As
Suplicantes e de sua produtividade dramático-musical. Se se observa com
cuidado a lista dos produtos do seminário, em todos a música ou a musicalidade
ou os sons possuem uma relevância. Ora, mais que emular a formalidade métrica,
os proponentes dos projetos buscaram diferentes formas de se fazer presente o
mais importante – a organização rítmica da performance. Uns traduziram os
esquemas métricos em possibilidades concretas a partir de diversos gêneros de
espetáculo (Musical, Performance) ou tradições performativo-musicais (dança do
ventre, coco, música eletroacústica); outros direcionaram a musicalidade para a
construção da cena ou para o movimento.
De qualquer forma, a explicitação da organização rítmica
da performance, traço fundamental da dramaturgia ateniense, esteve presente nos
mais diversos modos nos eventos cênicos. Assim, atingiu-se um dos objetivos do
curso, que era priorizar estratégias construtivistas que partem do contexto
performativo do drama ateniense, no lugar de discussão de conteúdos isolados.
Nesse sentido, meu papel não foi o de explicar os textos, de reduzi-los a uma
concordância abstrata de ideias e se proporcionar as condições dos exercícios
de reperformance, de recriação dos textos e do mito[16].
Tal orientação aplicativa do mito em suas apropriações
muitas vezes contrasta com as práticas habituais nos Estudos Clássicos de se
idealizar um passado fechado em si mesmo. A materialidade cênica e as demandas
do processo criativo configuram um laboratório de referências que resiste a
esta idealização. O contato mais intenso com o material do passado em função de
sua reelaboração projeta para o intérprete uma situação homóloga ao refazer da
tradição por seus usuários. Em um primeiro momento, a aplicabilidade do mito ou
sua contemporaneização pode ser diagnosticada negativamente, frente ao fato de
as atividades apropriativas não se definirem em função das competências
linguísticas e contextuais filológicas. Assim, as tentativas de traduzir o
universo clássico em analogias com eventos atuais poderiam ser compreendidas
como um impulso de sanar tais lastros de formação.
Tal pressuposto avaliativo coloca em primeiro plano um
modelo de intérprete que, munido de tais instrumentais textuais e referências,
estaria habilitado a produzir uma obra estética mais embasada nos documentos
estudados. Ainda, justifica um conjunto de protocolos interpretativos como
pré-requisitos para atos criativos. Em todo caso, o ato criativo é apenas
subsidiário, decorrente de uma acabada erudição.
Diferentemente dessa hierarquia de saberes, no
seminário o foco era justamente a integração de conhecimentos visando à
produção de um evento interativo artístico a partir dos materiais míticos
discutidos em sala de aula. Diante disso o conjunto de informações e leituras
efetivadas não qualifica cada estudante como um classicista e sim proporciona
uma iniciação na metodologia de processo criativo que parte de textos da
Antiguidade Clássica. O estudante não se especializava no fragmento do mito
escolhido e sim na compreensão das etapas de se interrogar um texto clássico e
o transformar em uma performance assistida.
Em outra direção, além dessa metodologia de processos
criativos, para mim foi fundamental acompanhar o fato de como estudantes de
hoje se relacionam com os materiais da Cultura Clássica. Durante as discussões
em sala de aula foi interessante acompanhar o jogo de atração e desconfiança
frente a esses materiais. Trazer para cena um passado muitas vezes considerado
como modelar acarretou estranhamentos os mais diversos, revisões de valores. Havia
a velha pergunta: Por que os Clássicos? Por que em um programa de pós-graduação
em arte em pleno século XXI e ainda no Brasil revisitar materiais tão antigos?
A superinterpretação desses materiais durante séculos
se sobrepunha aos próprios textos. Ou seja, de antemão havia a reação aos
textos antes mesmo de seu estudo. Dessa maneira, o seminário, para existir,
enfrentou justamente recepção desses textos, sua história de leituras e abordagens
dominantes. Com isso, o seminário articula-se como um espaço em que apropriação
criativa de materiais da tradição vincula-se à explicitação dos pressupostos
dos intérpretes, dos agentes de transformação.
E como avaliar os projetos e suas realizações? Em
nenhum momento o referencial para os resultados da disciplina foi a da
correlação entre o material utilizado e sua materialização cênica. Eu estava
ali como fiscal para quantificar o quanto de "grego" havia em cada
performance. O diferencial dos projetos residia em uma série de fatores: a
participação nas discussões durante o módulo inicial; a proposição do projeto
cênico inicial; a organização e condução dos ensaios; a participação nas
discussões coletivas dos projetos e dos ensaios apresentados em sala de aula;
as apresentações; e o trabalho final. Mais do que as opções de cada estudante,
estavam em jogo as decisões a partir dessas opções. Não era melhor nem pior
aquele que propunha criar uma cena com efeitos que procuravam simular
ambiências regressivas, tentando captar o impulso mítico em movimentos ou
símbolos ou aquele que apresentava uma opção mais realista, com trama
convencional e falas que informavam as ações. O diferencial dos projetos estava
nas possibilidades e decisões criativas de cada estudante. Uns projetos eram
mais complexos que os outros, demandando mais elementos e multiplicando
referências. Porém, dentro da proposta do seminário, o mais importante é
experimentar e compreender todas as etapas do processo criativo a partir de obras
clássicas.
A pluralidade de suportes e estéticas dos resultados
da disciplina em um primeiro momento pode indicar apenas opções e gostos
individuais. No entanto, foi a organização do seminário, a clareza de sua
proposta e de seu modo de articulação que tornou possível a diversidade dentro
de uma comunidade de aprendizagem. Nesse sentido, creio que a aproximação entre
erudição, criatividade e tradição fez com que o seminário fosse bem sucedido,
ao simular academicamente atos envolvidos no jogo de apropriação e
transformação de materiais míticos, o que nos relacionou, por alguns momentos,
a atos criativos de outras tradições e épocas.
E no seminário ficou bem evidente a interpenetração
entre pesquisa e criatividade, de forma a se concluir que de fato a reperformance
de textos clássicos na verdade é um caso de processos criativos cênicos: não há
um original, cada obra é um novo ponto de partida, um encontro e diálogo entre
outras obras.
Seminário 2 (2011) – Pitágoras
Em 2011, frente ao sucesso do seminário em pós-graduação,
procurei testar e rever o know-how a partir de As Danaides na graduação. O tema escolhido foi Pitágoras, muito em
função do diálogo com o Gabriele Cornelli e frente ao congresso internacional
sobre Pitágoras, que aconteceu em Brasília entre 22 e 26 de Agosto de 2011[17]. A
possibilidade de se correlacionar resultado de seminário interdisciplinar com
evento acadêmico determinou a escolha do tema, além das diversas implicações da
complexa figura de Pitágoras e sua comunidade recepcional[18].
Diferentemente do primeiro seminário, neste o foco
residiu não em uma obra ou em um mito tradicional. Tal alternativa é
fundamental em recepção dos estudos clássicos. Tanto entre realizadores
artísticos quanto entre classicistas há o pressuposto comum de que questões de
performance quanto a temas e textos do mundo antigo quase que se restringem ao
repertório da dramaturgia ateniense. Ou seja, o conceito de performance
predominante é o de performance artística.
Inovações metodológicas tanto nos Estudos da Performance
quanto nos Estudos Clássicos têm procurado ultrapassar esta pressuposição. Com
base nessa expansão do conceito e experiência da performance, não apenas
'performances típicas' como atos estéticos são enfatizados: diversas atividades
e instituições sociais são reinterpretadas e definidas a partir de seus modos
de produção performativamente orientados. Assim, a atividade filosófica, a
guerra, a política, entre outras, acabam por serem recontextualizadas
performativamente.
Essa dimensão performativa ampliada e generalizada dos
clássicos reabilita anos de condenação platônica de eventos performativos ao
mesmo tempo que nos faculta uma agenda interdisciplinar e provocativa para
pesquisadores e artistas.
Durante o seminário a partir de Pitágoras inserimos uma
componente fundamental em sua condução: a ampliação do módulo filológico, com
palestras do professor Gabriele Cornelli. Tal passo deu-se muito em função da
necessidade de haver para os seminários pesquisadores especializados para o
módulo inicial, corroborando a dimensão multidisciplinar e colaborativa dos
estudos ali realizados.
O texto base para os projetos coletivos foi o De vita pythagorica de Jâmblico. O
texto, mixando reinterpretações neoplatônicas e fontes antigas de Pitágoras,
proporcionava o acesso a uma figura cuja plasticidade era impulso para a
criação cênica. Além disso, junto com a figura, tínhamos a questão do grupo, do
pitagorismo como comunidade vinculada a um guia que se valia de estratégias
performativas. O texto foi analisado em função da interação entre Pitágoras e
seus seguidores, material que seria reprocessado nas propostas dos grupos.
Diferentemente do seminário em Pós-Graduação, foi
sentida a necessidade de se deslocar da proposta individual de cenas para
propostas coletivas. Grande parte do processo criativo, ao fim, constituiu
justamente nas tensões interindividuais em busca de acordos entre os
integrantes. A formação de grupos criativos dentro de uma comunidade de
aprendizagem é um desafio para a condução do seminário. Há um jogo entre a
abertura e liberdade de uma aventura expressiva e a maturidade ou não dos
embates interindividuais. De um certo modo, a formação dos grupos para os
processos expressivos simulava e clarificava a dimensão coletiva da comunidade
pitagórica. A dimensão metacognitiva de grupos trabalhando sobre grupos
transformou a disciplina em um laboratório de aproximações pitagóricas.
Além desse desafio metacognitivo, havia a questão
candente de escrever sobre alguém nada escrito, ou que fora mais reinterpretado
pelos outros que por si mesmo. Esses paradoxos autorais imediatos, contudo,
reforçavam a complementação de uma tradição fragmentária e descontínua por atos
criadores, imaginativos.
Durante
as apresentações, tivemos os seguintes eventos estéticos[19]:
1-
Cenáculo,
10 min. Conjunto de performances onde se busca a reprodução de uma série de
eventos irreproduzíveis.
2-
Nem um, nem outro, 10 min.
Performance a partir das contradições, dualidades e ambiguidades presentes na
figura de Pitágoras.
3- Caminhos
pitagóricos, 5 min. Por meio da estética da instalação, apresenta-se ao
espectador alguma das experiências supostamente vividas por Pitágoras
4- Tudo é
segredo, 5 min. Vídeo-performance a partir dos acúsmata pitagóricos.
5- Pitágoras 01,
30 min. Peformance-solo com projeções de vídeo. Recriação de referências a
ações e à figura de Pitágoras[20].
As diferenças e dificuldades encontradas no Seminário
Pitágoras redimensionaram muitas das observações do seminário anterior.
Passando da Pós-graduação para a Graduação, temos diversos modos de se
autodefinir a participação em disciplinas experienciais, as quais se definem
pelo reconhecimento de uma orientação não tutelada dos atos. Diante disso, cabe
à condução da disciplina não apenas as atividades do inicial e a 'consultoria
artística' na avaliação e discussão dos projetos criativos. Há a necessidade de
uma condução muitas vezes mais intervencionista, no sentido de reiteradamente
demandar ações que envolvem não apenas a participação no processo criativo como
também nos diálogos interindividuais.
A grande diferença sentida é que na graduação houve a
tendência de os alunos se comportarem como estudantes em uma disciplina
convencional, esperando as suas notas. Ou seja, se radicalizaram em alguns
momentos as questões sobre a necessidade de um contato com os materiais
clássicos. Mais que no primeiro seminário, a ruptura entre performance e
tradição, ou entre criatividade e erudição compeliu a condução para se reforçar
certas práticas textualistas. No primeiro seminário não houve uma discussão
detida em alguma materialização do mito das Danaides. A tradução de As Suplicantes de Ésquilo e das fontes
do mito foram apresentados como materiais para serem compulsados pelos
estudantes. Os motivos básicos do mito foram apresentados a partir das fontes,
sem que houvesse uma análise textual detida de algum documento. Foram mais
problematizados os acessos aos materiais do mito que a sua explicação
parafrástica. Ou seja, o tempo em sala, no primeiro módulo, foi direcionado
para conceptualizar e discutir estratégias de intepretação dos materiais e
padrões de sua organização, tudo tendo em vista o processo criativo.
Já no seminário na graduação foi percebida a
necessidade de uma análise mais detida do texto-fonte, na qual integramos
leitura e comentário de trechos mais representativos deste texto com ampliações
de suas possibilidades cênico-criativas.
Tal deslocamento no módulo inicial acarretou mudanças
nos módulos subsequentes: no lugar de se transformar o tempo em sala de aula em
uma discussão de processos realizados em outro espaço/tempo, o horário e o
lugar da disciplina se converteram em ocasião para os experimentos e ensaios. A
realidade multitarefa da sala de aula foi possível com uso de espaços
simultâneos e tutores da disciplina[21].
Mesmo assim a lenta adesão da turma de estudantes aos
projetos de cada grupo verificou-se, com muito tempo aplicado nas discussões e
debates internos sobre as decisões criativas.
Creio que os dois seminários em sequência e em
diferentes contextos educacionais foram realmente uma oportunidade para se
testar o modelo e suas possibilidades de variação.
Seminário 3 (2011): O banquete, de Platão
O terceiro seminário veio logo na sequência: foi
dedicado a um texto - O banquete, de
Platão. Novamente não tivemos um texto diretamente relacionado a contextos
performativos – um texto espetacular –, mesmo que em O banquete a forma de organização dos blocos de fala e a situação
imediata que integra os falantes se valham de procedimentos e referências
cênicas. Como no seminário relacionado a Pitágoras, havia a possibilidade de
conjugar a pesquisa em recepção com um evento acadêmico, por meio da preparação
de possíveis materiais que seriam apresentados no X Seminário Internacional
Archai, Platão, Estilos e Personagens:
Entre Literatura e Filosofia[22].
Há todo um cuidado em estabelecer tais correlações. A
realização de um seminário em criação com um semestre de antecedência em
relação a um evento acadêmico é uma estratégica de se promover uma pré-produção
do evento acadêmico, um divulgação antecipada. Ao mesmo tempo, oferece tempo
para que as especificidades de processos criativos sejam contempladas. Pois uma
coisa é a escritura de uma comunicação ou organização de mesas e conferências,
outra é o trabalho de grupo para se viabilizar todas as etapas de composição,
realização e produção de eventos cênicos.
Ainda, mesmo que haja links entre o seminário de criação/recepção e o encontro acadêmico,
é preciso deixar claro para os participantes do seminário prévio que não há a
certeza de que os trabalhos desenvolvidos durante os processos criativos serão
todos abarcados pelo encontro acadêmico. Antes de tudo, o seminário
interdisciplinar e interartístico possui seus próprios objetivos. A qualidade
do processo criativo e sua sobrevivência pós-seminário serão determinantes para
a inserção em evento dentro do encontro acadêmico.
Durante o terceiro seminário tivemos, além da presença
de consultoria especializada em Platão, na figura de Gabriele Cornelli, a
presença de uma consultoria em processos criativos, na figura do provocador e
multiartista Hugo Rodas. Tal oportunidade de, em um mesmo espaço de disciplina,
termos diversos professores reunidos é rara dentro do atual sistema
universitário. Muitas vezes temos diversos professores ministrando diferentes
módulos em sequência, uns sem muito contato com os outros. De fato, seminários
interdisciplinares se oferecem como opções a este modo hodierno de se gerir as
relações de ensino e aprendizagem. E não seria diferente: a proposta de se
trabalhar com diversas habilidades e referências implica uma diversidade de
agentes correlacionados. Pois alunos e orientadores ao mesmo trabalham com
múltiplas referências e metodologias ao mesmo tempo.
No espaço da
graduação, com as pressões curriculares e sobrecarga de atividades do corpo
docente, este perfil integracionista é difícil de ser atingido. Na
pós-graduação conseguimos otimizar o modelo do seminário. Em graduação isso
seria possível em disciplinas optativas e em projetos extracurriculares.
Além disso, todos os participantes do seminário
puderam participar do “I Seminário Internacional de Música e Filosofia: a
estrutura musical dos diálogos platônicos”, proferido pelo professor Jay
Kennedy, da Universidade de Manchester. O módulo inicial de nosso seminário
inclui os conceitos de Jay Kennedy, que procuram demonstrar a correlação entre
a macroestrutura dos diálogos platônicos, intervalos músicas e seus símbolos e
efeitos psicoacústicos[23].
Com a presença de Hugo Rodas, os projetos do seminário
apresentaram maior determinação na exploração da corporeidade dos intérpretes e
maior apelo à dimensão contemporânea das referências. Diante disso, os projetos
e processos criativos na maioria dos casos se centraram em diversas
atualizações e manifestações de afetividades intersubjetivas como erotismo,
sexualidade, variações amorosas. O tríptico comida, prazer e erotismo
predominou. As discussões iniciais sobre a organização dramatúrgica do diálogo,
a competição social entre integrantes da elite, e a relação entre conhecimento
e validação de valores, além da musicalidade dos blocos textuais, foram
assimiladas, mas ficaram em segundo plano: a maioria dos grupos se satisfez em
coordenar suas imediatas referências e experiências emocionais. Este
presentismo foi bem explicitado em sala de aula no questionamento até do ponto
de partida do seminário: Por que ainda os 'clássicos'[24]?
Antes de tudo, temos que compreender as razões desse
questionamento. Parece que cada seminário interdisciplinar que aproxima estudos
clássicos e performance precisa se justificar, expressar a racionalidade que
está atrás da desconfiança ou não aceitação da tradição como ponto de partida
para processos criativos. Por um lado, isso torna extremamente precário o
contexto dos seminários, pois tais desconfiança e não aceitação são
generalizados: embora boa parte da academia, principalmente os jovens
investigadores, conceda gestos favoráveis a processos performativos,
principalmente os da 'alta cultura' (ópera, teatro, dança), ainda não foi dado
o passo seguinte - de fato promover ações que levam em conta a criatividade
cênica. Ainda, entre os artistas cênicos, após séculos de domínio da estética
clássica, há ainda o fantasma das belicosidades modernas, que iguala arte e
ruptura, arte e subjetividade. Dessa belicosidade, resta ao artista ser um
sobrevivente entre escombros, negando tudo o que é e existe em prol de algo que
considera ser o oposto do que pressupõe estar estabelecido.
Nesse sentido, a questão do texto como documento e
monumento do passado é um lugar de conflito por excelência. No caso do
seminário sobre O banquete, as
traduções disponíveis contribuíam para a opacidade das discussões: é muito
difícil discutir sobre cultura performativa na Antiguidade se as traduções
disponíveis fazem circular pressupostos restritivos em suas opções linguísticas[25]. Não
basta apenas solicitar que os integrantes dos seminários imaginem a íntima
intersecção entre texto e performance nas obras comentadas, se os pressupostos
dos tradutores continuam ainda a reproduzir noções de cultura clássica que
privilegiam objetos mentais e perspectivas ideativas dessa cultura, como se
tudo ali referido fosse pensamento e moral.
Reagindo a tais pressupostos presentes nas opções
tradutórias é que os artistas se refugiam no presentismo, ao negarem a
tradição, ou esse conceito de tradição afortunada como o acúmulo das ideias de
melhor agir, melhor fazer, melhor pensar[26]. Em
função disso, é sempre esperado que alguém venha a se perguntar, a expor suas
razões e desconfianças, toda vez que os materiais disponibilizados promovam uma
época fechada em si mesma.
No caso do seminário primeiro, sobre as Danaides, eu
mesmo traduzi os textos, a partir de sua orientação performativa. Naquela
situação, as reações à tradição clássica foram menos intensas, mas não deixaram
de existir. A produção e condução de seminários interdisciplinares e
interartísticos que aproximam criação, performance e estudos clássicos enfrenta
tais questionamentos não apenas para se validar: no seio dos seminários está o
entrechoque entre tradições, entre metodologias, o embate entre as dinâmicas
culturais e as representações e legitimidades de objetos e práticas de
conhecimento. Se os seminários se apresentam como este espaço de encontro,
diálogo, afluência e mediação, ao mesmo tempo trazem para si os acúmulos, os
recalques, os silenciamentos, as exclusões, os séculos de jogos de construções
e destruições de valores e referentes.
Assim, agora analisando o seminário n. 2 (O banquete) mais detidamente, creio que
há uma conexão decisiva entre os materiais tomados como ponto de partida e as
etapas do processo criativo. No caso, as traduções utilizadas e os debates
conceituais não se alinhavam: havia um intervalo entre as novas abordagens que
aproximam a tradição clássica de molduras performativas e os documentos
textuais que poderiam assinalar tais molduras. Dessa forma, como tradução é
mais que um ato de transposição linguística, pois depende dos pressupostos, das
opções tradutórias do intérprete, o contínuo entrechoque entre as traduções e
as discussões conceituais acarretava uma certa desorientação, uma dificuldade
em se encontrar nos documentos disponibilizados a intensidade e riqueza das
novas abordagens em recepção nos estudos clássicos.
Tal dificuldade ou obstáculo para o processo criativo
era mais marcante em função de um dos suportes operacionais dos seminários ser
justamente a prática dramatúrgica ou elaboração de um roteiro de cenas a partir
do material estudado. No projeto de cena que cada estudante ou grupo deve
realizar, consta a escrita de um roteiro ou peça dramatúrgica, que não passa de
distribuição de ações, agentes e objetos em certos contextos espaço-temporais e
em sequência. Grande parte dessa atividade alinha-se a um diálogo, à
dramaturgia do texto analisado. A nova dramaturgia proposta será justa mesma
uma possibilidade de arranjo da organização de partes presentes no texto base.
Dessa forma, os documentos dramatúrgicos do passado comparecem como fósseis
expressivos que registram procedimentos estéticos que serão reutilizados. O
diálogo entre a dramaturgia atual e a dramaturgia do(s) texto(s) base(s)
explicita a transformação de leituras e explicações de texto em práticas
composicionais: torna-se relevante o que pode ser transformado em materialidade
cênica. Assim, temas, conceitos e abordagens em análise de textos ou teoria
literária são indexados à sua produtividade performativa.
Com isso, a dificuldade de conexão entre análise e
produção textual (do texto base para o novo roteiro) colaborou para táticas
desvinculantes por parte dos estudantes-artistas-pesquisadores durante o
seminário sobre O Banquete.
Por outro lado, tivemos propostas e obras apresentadas
que apontaram para diversas possibilidades de recepção da tradição clássica,
como no caso do projeto "Processo criativo e Atuação em
Telepresença", por meio do qual Amanda Ayres, dentro do contexto da
Educação à Distância, promoveu interações entre plateias separadas por
quilômetros na fruição e performance de cenas a partir de O Banquete.
Seminário 4 (2012): O banquete, Platão
Uma inovação do Seminário 4 foi o de duplicar o alvo
observacional (O banquete, de Platão)
na graduação. Assim, teríamos a mesma equipe, com exceção de Hugo Rodas,
trabalhando em períodos letivos contíguos. Porém, aquilo que parecia um potencial
de êxito chocou-se com outro aspecto que se revelava fundamental desde o
primeiro seminário: as condições de trabalho. Ora, tais seminários ocorrem no
interior de disciplinas, em salas de aula que são ou adaptadas para práticas
performativas ou em espaços fora do horário da disciplina. Havendo complicações
estruturais, os seminários são comprometidos. Tais complicações estruturais, em
nosso caso, expressam-se de dois modos: espaços para processos criativos e
interrupções causadas por greves no ensino público federal. E ambas incidiram
sobre o problemático segundo semestre de 2012[27].
A partir dessa conjuntura, outra fragilidade dos
seminários ficou exposta: além das implicações de sua interdisciplinaridade, a
integração entre modos diferenciados de pesquisa (pesquisa bibliográfica e
processo criativo) só poderia ser efetuada na continuidade de ações dentro de
espaços apropriados para este fim. As interrupções provocadas pelas
paralizações no ensino público federal e a reposição das aulas acabavam por determinar
um calendário que se espraiava entre marcos temporais complexos. O seminário
fora interrompido duas vezes: com a greve e com as festas de fim de ano.
Com isso, houve uma drástica reorientação do
seminário: excepcionalmente as performances não foram realizadas. O modelo
básico dos seminários é o seguinte:
Na pré-produção temos o módulo de abertura em que a
obra e/ou o alvo observacional do seminário é proposto e discutido. Segue-se a
consultoria criativa em torno do processo criativo. Depois das apresentações,
temos o fechamento do curso com as monografias sobre as atividades totais do
seminário de reperformance clássica.
Neste seminário n. 4 ficamos apenas com o módulo
inicial, com a proposição de um roteiro e com o trabalho escrito. Em virtude da
falta de condições para a realização das performances, o foco residiu na
discussão textual e na problematização da prática dramatúrgica.
Aquilo que em um primeiro momento pode ser considerado
fracasso serviu para redefinir algumas implicações da experiência do seminário.
Inicialmente o seminário foi articulado dentro de relações de
ensino/aprendizagem, em um contexto pedagógico formal. As flutuações entre tal
contexto e as demandas de um processo criativo tiveram como consequência que a
metodologia de processo criativo a partir de obras clássicas adquirisse sua
autonomia: a recorrência do seminário, testado e experimentado em sequência,
gerou a clareza e eficiência de suas ações, fazendo com que não estivesse mais
limitada às imediatas pressões de formação de intérpretes. Em outras palavras,
a metodologia de criação revista e ampliada por constantes e novos desafios
cada vez mais reivindicava contextos de produção e realização mais complexos
que aqueles no circuito professor-alunos-sala de aula.
Não é em casual que a carestia performativa do
seminário n. 4, ironicamente, confrontou-se com o experimento mais radical
efetivado no seminário n. 5.
Seminário 5 (2013): Sete contra Tebas, de Ésquilo
O ano de 2013 foi muito significativo para as relações
entre Estudos Clássicos e Performance. Tivemos a oportunidade de trazer o
congresso da SBEC para Brasília e organizar o I Festival Internacional de
Teatro Antigo, além do II Seminário Internacional de Teoria Teatral[28].
Especialmente para os eventos da SBEC, ofertamos na
Pós-graduação em Arte a disciplina “Tópicos especiais em Criação Artística”,
com o seguinte design: todos os estudantes matriculados, no lugar de serem
subsidiados a respeito de um tema e/ou obra como etapa de um processo criativo
que desenvolveriam, iriam acompanhar as etapas de dramaturgia, interpretação,
encenação e performance de uma obra. Formou-se um grupo de observadores para um
processo criativo, como uma aula de dissecação.
Para o funcionamento do seminário, as tarefas foram
claramente distribuídas: os ensaios eram conduzidos por Hugo Rodas que, a
partir de dramaturgia e músicas por mim elaboradas, solicitava de um grupo de
atores previamente escolhido uma séria de atos expressivos. Além dos dois
horários das aulas, os condutores do seminário se reuniam com este grupo de
atores em outros momentos. Os ensaios extraclasse preparavam materiais para a
apresentação para o grupo de observadores. Após as apresentações para o grupo
de observadores, Hugo Rodas expunha os procedimentos realizados durante os
ensaios e abria-se o debate acerca das opções e dos resultados interpretativos.
Ainda, estes encontros eram acompanhados pela equipe de produção que ia
anotando as necessidades para a viabilização da encenação. Ou seja, o seminário
n.5 integrava atividades de dramaturgia, interpretação, produção e recepção[29].
O seminário n.5 como que implodiu muitas das
características e funções do modelo de base até aqui desenvolvido. Nesse
sentido, é uma contrapartida ao seminário n. 4, uma resposta à possibilidade de
extinção do próprio seminário, na medida em que sua própria razão de ser –
produzir uma performance assistida a partir de uma relação construtiva com a
tradição – foi ameaçada.
Em todo caso, tivemos neste seminário todos os
processos e procedimentos dos seminários anteriores, com a evidente mudança de
função de agentes: o processo criativo foi todo documentado (blog, filmagens, anotações), avaliado e
perfomado. Partiu-se de obras da dramaturgia ateniense (Sete contra Tebas, de Ésquilo, e As Fenícias, de Eurípides), com estudo de sua organização textual,
traduções e recepção crítica[30].
Contudo, a transformação desse material em materialidade cênica ficou a cargo
dos condutores da disciplina e do grupo de atores vinculados ao projeto.
Durante os ensaios, o diálogo entre a direção e o grupo de observadores, assim
como a resistência à direção por parte dos atores, redimensionou diversos
aspectos das opções interpretativas e da encenação. Alteração de cenas no
roteiro inicialmente proposto por mim a partir do módulo introdutório e arranjo
e composição de material sonoro (canções e músicas incidental) foram realizados
durante o processo criativo.
Ou seja, em qualquer variação que aqui foi demonstrada
ou em outras ainda a se fazer, o seminário propõe como agenda o intercampo
entre pesquisa acadêmica e pesquisa estética na interpenetração entre
criatividade e História.
Para mim, principalmente a partir do Seminário n.5,
ficou bem claro que, diante dessa interpenetração entre arte e pesquisa, é
preciso dar um passo adiante, pisar o terreno da materialidade cênica de
maneira efetiva. No início da minha jornada como profissional do ensino
superior em 1995, eu era apenas um comentarista de textos da dramaturgia
clássica[31].
Tive, na medida em que me aprofundava nos contextos e práticas performativas,
que me metamorfosear, adquirir novas funções, novas habilidades, entrar em
contato com a complexidade multitarefa que envolve eventos audiovisuais
interativos. Assim, de exegeta, fui me tornando dramaturgo, diretor, produtor e
compositor. Os seminários só surgiram depois da diversificação de minhas
habilidades e foram se fortalecendo em função do grupo de pesquisadores que
aderiram ao projeto. A amplitude das atividades que integram fazeres
multidimensionais impulsionam dinâmicas interpretativas e interpessoais. Assim,
imediatamente, a maior conquista ao se inserir criatividade na pesquisa é a
própria reinvenção do pesquisador e de seus horizontes.
Obstáculos/dificuldades
É claro, nem tudo são flores... Nesses três anos de
seminários, algumas dificuldades foram identificadas, as quais têm colaborado e
muito para se repensar a organização desses seminários de criação a partir de
temas clássicos[32].
Primeiro, temos o seguinte: o conceito do que se tem a
respeito do que venha a ser um processo criativo interfere no modo como ele é
articulado. É uma questão de pressupostos. Muitas das dificuldades em torno de
atividades criativas advêm da ideia que temos delas. Inicialmente, pela
teologia, criação é associadoa a um ato de se produzir algo a partir do nada.
Essa concepção teológica do ato criativo acarreta sua idealização: a criação a
partir do nada sonega a participação do agente criativo no mundo, na história,
naquilo que não é ele próprio. Com isso, resta a ele a busca de uma pureza
representacional, de algo ainda não tocado ou manchado previamente. Esta
distopia estética move o artista para produzir coisas novas a partir da negação
das coisas existentes. A partir disso o que não é, o que nunca veio a ser se
transforma em meta e alvo de sua atividade realizacional. Gastará muito tempo
em se policiar, checando o que faz com aquilo que pensa já existir, já estar
dado. Depois de tamanho esforço denegador virão os resultados.
Uma variação dessa concepção teológica do criar é a
subjetivação do ato expressivo. Negando tudo que existe, resta apenas a
instância individual. Não há as tradições, as técnicas, o diálogo entre obras. Há
apenas a extensão do si mesmo, do eu acho, eu quero.
Como se vê, obstáculos ao ato criativo são concepções
monovalentes que se apóiam indiscutidamente em recusas da complexidade de
processos que se valem da transformação recíproca de materiais prévios e
subjetividades. Fica de fato muito difícil participar de tais eventos complexos
quando se opta por uma estratégia que limita as decisões à ratificação de um
centro definidor dos atos. Enfim, o único a
priori em processo criativo é sua recorrência experiencial, sua
iteratividade operativa: não há de antemão algo que permanecerá incólume,
irredutível à mudança, seja ele as fontes ou o articulador do processo.
Em segundo lugar, temos um obstáculo advindo da
sobreposição entre atividades de aprendizagem e atividades estéticas.
Infelizmente isso não deveria ser assim. Mas, em diversas ocasiões, em espaços
formais de aprendizagem vinculados a experiências de expressão, muitos
estudantes se comportam como estudantes e não como artistas. Os mecanismos
formais de avaliação e participação nas disciplinas são utilizados em desfavor
de atos criativos, principalmente na graduação[33]. A
metodologia de processos criativos desenvolvidos nos seminários objetiva
justamente a clara transferência do papel de condutor dos atos, de
protagonismo, do professor para os estudantes. É preciso ter em conta que a
partir do momento em que o pré-projeto é proposto ele passa a ser de inteira
responsabilidade de seu proponente. Ser um proponente é isso: é tomar decisões
claras a partir do mútuo esclarecimento.
Enfim, um último conjunto de obstáculos diz respeito
ao 'porquê' de se valer ainda de um passado para desenvolver processos
criativos. Em primeiro lugar, tal pergunta por justificativas do passado nos
remete para usos do passado por 'elites culturais' como referência para sua
autocelebração. Porém, essa não é única versão, a única possibilidade de uso
dos clássicos. Quanto mais outras pessoas de diversas proveniências se valerem
dessas fontes, mais elas vão adquirir novos efeitos. A pergunta "O que eu
tenho a ver com isso?" não só é uma recusa da autoridade projetada no uso
elitista dos clássicos. Ela explicita também estratégias solipsistas, que, ao
defenderem a primazia da experiência individual isolada, trazem consigo a
pessoalização das atividades artísticas.
Em todo caso, o mais importante a partir desses
seminários é justamente a provocação: não importa quem você é, o que você quer,
o que você gosta. Objetivamente, temos uma demanda. E como responder a essa
demanda. Como você reage ao que te propõem como meta e trabalho? A demanda, a
encomenda, a solicitação não dependem de você. O que você vai fazer com isso é
o que realmente vai caracterizar sua atividade. Não adianta a transferência
para o condutor da disciplina, para o tema escolhido.
À guisa de conclusão: Recepção
em Estudos Clássicos
As obras da dramaturgia clássica ateniense não deixaram
de ser reencenadas nestes 2.500 anos de sua longa história. Porém, nos últimos
50 anos, dois aspectos dessa história podem ser destacados: há uma palpável
multiplicação de novas montagens dessas obras em diversos contextos culturais e
a produção intelectual em torno da transmissão dos textos tem se valido de
questões e conceitos dos estudos performativos[34].
Tal nova interface entre estudos clássicos e Artes
Cênicas modifica hegemonias e pretensas divisões disciplinares que postulavam
uma divisão de trabalhos em torno da interpretação dos textos clássicos.
Segundo essa divisão, em primeiro lugar viria a filologia, com suas tarefas
expandidas desde os ideais de cientificidade do século XIX. Caberia à filologia
prover aos demais usuários o estabelecimento do melhor texto e das informações
para a leitura das obras. Em seguida, historiadores e artistas selecionariam
aquilo que os interessa. Dessa forma, dentro dessa hierarquia, teríamos um núcleo
duro e expansões derivativas a partir daquilo que fosse declarado pela
filologia.
Este paradigma, que ruiu no século XX, ocasionou
distorções severas na compreensão dos modos pelos quais as obras da dramaturgia
clássica ateniense foram elaboradas, distorções multiplicadas pelas
historiografias e apressados manuais de divulgação do teatro grego[35].
O fato é que, com a imensa e variada produção teatral
do século XX, o fosso entre filologia e performance foi expandido, ainda mais
com a autonomia do campo teatral, que não se restringiu mais a uma instância
derivativa, e passou a propor e desenvolver formas de reflexão e produção
artísticas.
A partir dos anos 60, começa-se a se promover um novo
diálogo entre transmissão textual e artes cênicas. Nos Estudos Clássicos novas
abordagens recusam temas e metodologias que tratam em termos lineares e plenos
uma tradição fragmentária, lacunar e continuamente refigurada por sua recepção
(Mota, 2008).
Foi sob o impacto desse choque heterodoxo que estudos
em torno da 'recepção do teatro grego' foi sendo constituído.
Não é de se admirar que é na Inglaterra que
encontramos um centro agregador dos efeitos desse choque heterodoxo. Lá se
conjugam uma milenar e influente tradição de estudos filológicos com uma
milenar tradição teatral. O caso Shakespeare é sintomático: sua dramaturgia
relaciona-se tanto com um repertório continuamente revisitado quanto as obras
mesmas de Shakespeare propõem um diálogo com a tradição clássica.
No caso britânico temos o “Archive of Performances of
Greek and Roman Drama” (APGRD). Este projeto de pesquisa foi fundado em 1996 por dois
classicistas, Oliver Taplin e Edith Hall. Ambos com formação em filologia
serviram como consultores para produções de companhias teatrais estatais como o
Royal National Theatre, Shakespeare's Globe, Royal Shakespeare Company, entre
outras[36]. Ou
seja, como dramaturgistas, eles se viram na função de confrontar os dados da
erudição com as prerrogativas do trabalho artístico.
A partir dessas confluências o APGRD foi criado. Entre
suas várias ações, o APGRD tem promovido 1- palestras e seminários; 2- arquivo
digital com dados sobre produções no mundo inteiro baseadas em obras
greco-romanas; 3- arquivos físicos de documentos sobre fontes de recepção dos
textos da Antiguidade. As metas do centro estão em integrar estudos e pesquisas
sobre contextos e recepções do material clássico, preservar documentos e fontes
(vídeos, programas de espetáculo, manuscritos, etc) relacionados a produções de
obras greco-romanas; e, a partir disso, promover novas produções, novas
montagens.
A partir dessas noções, pode-se concluir que a
orientação do APGRD é promover um fórum internacional e multidisciplinar de
debates que, a partir do impacto do conceito e da experiência de performance no
mundo contemporâneo, procura debater as formas de apropriação e da tradição greco-latina.
Começou com a proposta de um banco de dados sobre as produções cênicas,
fílmicas e radiofônicas a partir de textos greco-latinos desde a Renascença
para hoje se alinhar mais a pressupostos da História cultural e ainda a
promover projetos de performance e dramaturgia por meio de programas e bolsas
de estudo.
O banco de dados sobre obras baseadas em textos
greco-latinos chega a nove mil produções. Esse banco de dados é online, e pode
ser consultado nas seguintes entradas: nome do dramaturgo clássico que se quer
encontrar, nome da peça antiga que se quer encontrar, título da produção
moderna, ano de sua produção, em que a produção moderna foi apresentada, país
em que a produção moderna foi apresentada, espaço de sua apresentação, ficha
técnica (pessoas associadas com a produção, como diretores, tradutores,
dramaturgistas, compositores, coreógrafos, atores, etc.), nome da companhia
teatral moderna, modalidade de apresentação (teatro, filme, rádio, música
vocal, ópera, musical, teatro de animação), e gênero (comédia, tragédia, drama
satírico).
Os dados sobre o Brasil precisam ser bem atualizados.
Há apenas 8 registros, a maioria deles de companhias de ópera que passaram em
turnê pelo Brasil. Estudos como os de Gilson Motta precisam ser multiplicados e
indexados ao bando de dados da APGRD[37].
Precisaríamos ter um banco de dados com informações sobre as traduções de
textos teatrais da dramaturgia ateniense e suas reperformances.
Um desdobramento do APGRD e ainda em contexto
britânico é o caso da “The Classical Reception Studies Network” (CRSN):
trata-se de um pool de universidades (Bristol, Durham, Nottingham, Open, Oxford
e Reading, entre outras) aberto agora a universidades do mundo inteiro
("overseas partners") que se centra no questionamento por meio do
qual "how and why texts, images and material cultures of Ancient Greece
and Rome have been received, adapted, refigured, used and abused in later times
and often other places", segundo o site da instituição. O amplo escopo
dessa rede de pesquisa acadêmica se expressa por meio de conferências,
seminários, workshops, comunicações de informações entre seus integrantes e
duas publicações online de artigos. A primeira publicação online, “New Voices
in Classical Reception Studies”, é uma revista (ejournal) de periodicidade anual disponibilizada na página da CRSN.
Centra-se mais no estudo de casos: descrição, análise e reflexão de obras das
mais diversas mídias que se valeram de temas e textos da cultura grego-romana. Já
a segunda publicação, “Practitioners' Voices in Classical Reception Studies”,
desloca o mesmo referente para novos agentes: no lugar de pesquisadores
acadêmicos, temos diretores, cenógrafos, atores, poetas, tradutores.
Pelo que se pode observar, mesmo que tenhamos ainda
uma divisão de trabalhos manifesta em dois tipos de publicações para cobrir
aspectos diversos de um processo criativo a partir de materiais da cultura
clássica, há uma clara orientação de não mais se defender uma concepção
unilateral e unívoca das relações entre tradição e arte. Mais propriamente: o
chamado legado clássico não é mais caracterizado como uma instância absoluta,
fechada em si mesma, modelar. O foco na recepção e não no passado em si
preconiza que a relevância e validade daquilo que pertence a outras
temporalidade e tradições se manifesta a partir de situações de troca, de jogos
de mútua implicação. Dessa maneira o estudo de manifestações artísticas que se
valeram de modificações no legado clássico evidencia a construtividade
histórica mesma, o modo criativo por meio do qual nos relacionamos com aquilo
que nos antecede, mas não nos excede.
Em lugar, os temas e obras clássicas entram como
material para o processo criativo, submetidos a análise de suas formas de
organização e contextos, o que determina atos de redefinição e familiaridade
desse material e não sua fixação em um ideal normativo. Necessariamente, diante
da diversidade dos tempos e situações, a montagem contemporânea de uma tragédia
grega, por exemplo, reivindica o duplo movimento de se compreender os sentidos dos
referentes em torno da obra (sua organização, seus conteúdos, seus contextos de
representação) e de se propor novos referentes a partir do processo criativo[38]. Assim,
ao se colocar nessa tensão de horizontes, a montagem de obras da antiguidade
greco-romana torna inviável disposições para se tentar resgatar o passado tal
como ele foi, ou projetos de se conectar com 'matrizes originárias' da cultura[39].
Por outro lado, a busca por materiais da tradição
aponta para impulsos atuais de seu escapar das armadilhas do presentismo: da
ilusão que tudo começa e acaba no indivíduo, em sua subjetividade. Na verdade,
ao se desconfiar do presente, de ver a insuficiência de um tempo único como
explicação e refúgio, o recurso a materiais da tradição revela-se como uma vontade
de conexão, de ampliação dos referentes, de estratégias de historicização dos
sujeitos. Não é à toa que esse transcurso de se aproximar do outro pelo outro
tem se tornando cada vez mais recorrente. Pois, com a erosão das verdades em
torno de muitos dados da historiografia sobre a dramaturgia ateniense por meio
de sua aproximação a paradigmas performativos, as obras do passado não mais se
confinam no discurso sobre elas: o paradigma performativo demanda intervenções,
atuações sobre o material, atuações do material sobre quem o manipula.
Nesse sentido, o recurso a obras do passado em
processos criativos entra no caso em que pesquisa e arte se integram: as etapas
e as atividades em torno de uma pesquisa monográfica se aproximam em torno das
etapas e atividades de um processo criativo. A filologia ao se aproximar da
performance exibe a construtividade do conhecimento, o modo como saberes são
produzidos, explicitando categorias e atos que evidenciam experiências
intersubjetivas e interacionistas na prática de se trabalhar com textos e
materiais do passado. As artes cênicas ao se aproximarem de artefatos da
cultura material do passado defrontam-se com o enfrentamento de obstáculos aos
processos criativos, muitos deles oriundos da modernidade teatral em sua luta
por autonomia e negação da história, da tradição, como fardo. Mais que uma
dicotomia entre texto e história, a interface entre estudos clássicos e artes
cênicas aponta para a formação de profissionais e/ou equipes multidisciplinares
e interartísticas que se valem de diversas metodologias, fontes e conceitos em
seus processos criativos.
Diante dessa mudança e sobreposição de paradigmas, é
preciso se sintonizar com as novas demandas e com as novas pesquisas em torno
dessa interface.
[1] Hall, E. (Org.) Theorizing Performance: Greek Drama,
Cultural History, and Critical Practice. Duckworth, 2010; Hall, E. Towards a Theory of
Performance Reception. Arion 12,
2004, p. 51-89; Motta, G. O espaço da tragédia. São Paulo: Perspectiva, 2011; Brockliss, W.
et al. Reception and the Classics: An
Interdisciplinary Approach to the Classical Tradition. Cambridge University Press, 2012;
Martindale, C. & Thomas, R. Classics
and the Uses of Reception. Wiley-Blackwell, 2006.
[2] Jackson, S. Professing Performance. Theatre in the Academy from
Philology to Performativity. Cambridge University Press, 2004; Mota, M. "Estudos Clássicos e Recepção.
Interfaces entre Estudos Teatrais e Antiguidade Grego-latina" (Link: www.portalabrace.org); Mota, M.
"Genealogias da dança". Revista
Eixo 1, 2012, p. 28-43. (Link: www.revistaeixo.ifb.edu.br).
Os textos citados de minha autoria estão disponíveis no link www.brasilia.academia.edu/MarcusMota.
[3] Pfeiffer, R. History of Classical Scholarchip from the Beginnings to the End of the
Hellenistic Age. Oxford University Press, 1968; Pollitt, J. The Art of Ancient Greece: Sources and
Documents. Cambridge University Press, 1990; Dickey, E. Ancient Greek Scholarship. Oxford
University Press, 2007.
[4] Pareyson, L. Estética- Teoria da formatividade. Petrópolis, Vozes, 1983;
Pareyson, L. Os problemas da Estética.
Martins Editora, 1997; Mota, M. "Luigi Pareyson e a análise da experiência
estética" In: Anais XIII Encontro Nacional da ANPAP,
2004.
[5] Gadamer, H.G. Verdade e Método. Petrópolis, Vozes, 1997.
[6] Husserl, E. Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo. Imprensa Nacional, 1994.
[7] Mota, M. "O apagamento do corpo nos
textos clássicos" In: Brasília:
IFB, Anais do Primeiro Seminário Nacional
de Arte Coreográfica, 2012; Mota, M. "Performance, dramaturgia e
musicalidade: ideias e experimentos na interface entre Estudos Clássicos e
Recepção". Revista VIS 11, 2012, p.83-100.
[9] Para o primeiro semestre de 2014 será ofertado
o seminário na pós-graduação em Arte, com foco na Ilíada, de Homero e reperformance de trechos da obra a partir de
procedimentos de comicidade.
[10] Além disso, cada seminário possui um blog de acompanhamento da disciplina, no
qual se estabelece um canal de comunicação entre a condução do seminário e os
estudantes, e cada projeto possui seu próprio blog, no qual são postadas as ações do processo criativo.
[11] Mota, M. A
dramaturgia musical de Ésquilo. Brasília, Editora UnB, 2008; Mota, 2012, p.
83-100.
[12] Mota, M. "O teatro como ficção
audiovisual". In: Barros
Ribeiro, M.E. de (Org). Arte e Temporalidade. Brasília, EPPG-Artes,
2007, p. 1-27.
[13] Taplin, O. "Opening
Performance: Closing Texts?". Essays
in Criticism 45, 1995, p. 93-120; Taplin, O. "The Experience of an
Academic in the Rehearsal Room". Didaskalia 5.1, 2001. Link: http://www.didaskalia.net/issues/vol5no1/taplin.html
[14] Pavis, P. "Splendeurs et misères de l'interprétation des
classiques". In: La Mise en scène contemporaine. Paris,
Armand Colin, 2007, p. 209-242.
[15] Para a programação completa do 50 Cometa
Cenas, com as fichas de todos os espetáculos,
vhttp://www.slideshare.net/CometaCenas/programao-cometa-50. O Cometa Cenas 50 foi
realizado entre 20 e 29 de Agosto de 2010 no Departamento de Artes Cênicas da
Universidade de Brasília.
[16] Cabe informar que a partir do Seminário, a
coreógrafa Giselle Rodrigues montou posteriomente As Danaides, com o grupo Basirah. V.
www.basirah-danca.blogspot.com.br.
[18] Mota, M. "Pythagoras
Homericus: Performance as Hermeneutic Horizon to Interpret Pythagorean
Tradition". In: Cornelli, G.; McKirahan, R.; Macris, C. (Org.). On Pythagoreanism. 1ed. Berlin, De Gruyter, 2013,
v. 1, p. 103-116.
[19]
www.candango.com.br/newcandango/bibilioteca/Documentos/Programacao_Cometa_Cenas_2011.pdf.
[20] O vídeo foi apresentado em minha comunicação
ao VIII Seminário Internacional Archai On Pythagoreanism. Durante o mesmo
seminário, foram apresentados a performance-solo Pitagoras O1, de Samuel Cerkvenik, e As Danaides, espetáculo-dança do grupo Basirah, no evento Cenas da
Antiguidade, na Embaixada da Itália.
[21] Agradeço a Samuel Cerkvenik, Julia Vale,
Angélica Beatriz, Constantino Isidoro, Laura Moreira e Rafael Tursi por sua
atuação segura em diversos momentos dos seminários.
[23] Link:
www.br.groups.yahoo.com/neo/groups/neoplatonismo_br/conversations/topics/74.
Para os materiais da proposta de J. Kennedy, v.
www.personalpages.manchester.ac.uk/staff/jay.kennedy. Consultar ainda Kennedy, J. The
Musical Structure of Plato's Dialogues. Acumen Publishing, 2011;
Mota, M. "Nos passos de Homero: Performance como argumento na
Antiguidade". Revista Vis PPG-Arte
UnB 9.2, 2010, p. 21-58; e Mota, M. Nos
Passos de Homero. Ensaios sobre Performance, Filosofia, Música e Dança a partir
da Antiguidade. São Paulo, Annablume, 2013.
[24] As implicações dessas questões de pertinências
são trabalhadas em obras como Rumble Fish,
de F.F. Coppola. V. Mota, M. "Tradição e Razão: A modernidade e mito em Rumble Fish". Revista Humanidades 40, 1996, p. 28-33.
[25] As traduções disponíveis no mercado foram as
de Carlos Alberto Nunes (EDUFPA, 2011), de Donaldo Schuler (L&PM 2009),
José Calvalcanti de Sousa (Abril Cultural, 1991{Original Difusão Européia do
Livro, 1966}), Maria Teresa Schiappa de Azevedo (Edições 70, 1991), Jaime Bruna
(Cultrix,1957). Compulsar diversas traduções do mesmo texto é procedimento
recorrente em minhas aulas, para que o estudante compreenda que o ato
tradutório se pluraliza não apenas diante da diversidade de opções do
intérprete como também na potencial pluralidade do texto mesmo.
[26] Mota 2005; Mota, M. "Arte e Subjetivação".
In: Anais XI Confaeb (Congresso Nacional da Federação de
Arte-Educadores do Brasil), 1998.
[27] V.
www.ebc.com.br/noticias/brasil/2012/08/greve .
[29] Mota, M. "Teatro e erudição: implicações de um
experimento recepcional". Texto Apresentado à VII Reunião Científica da
ABRACE. Belo Horizonte, UFMG/ABRACE, 2013. (Link:
www.portalabrace.org).
[30] Mota, M. "Sete contra Tebas de Ésquilo:
Introdução e tradução." Revista
Archai 10, 2013, p. 57-74.
[31] Mota, M. "Dramaturgia, colaboração e
aprendizagem: um encontro com Hugo Rodas". In: Villar, F.P. Faleiros de Carvalho, E. (Orgs.). Histórias do Teatro Brasiliense.
Brasília, IdA/UnB, 2003, p. 198-217.
[32] Mota, M. "A teoria dos obstáculos
epistemológicos. Bachelard entre a epistemologia e a hermenêutica" In: Sant'Anna, C. (Org). Gaston Bachelard: Ciência e Arte. EdUFBA, 2010, p. 109-119.
[33] Mazer, C. "Dramaturgy in the
Classroom: Teaching Undergraduate Students not to be Students". Theatre Topics 13, 2003, p. 135-141.
[34] Hardwick, L. Reception Studies. Oxford University Press, 2006; Hall, E. Towards
a Theory of Performance Reception. Arion 12, 2004, p. 51-89.
[35] Mota, M. "Teatro grego: Novas
perspectivas". In: Sandra Rocha
(Org.). Cinco
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